Editor-chefe do Techtudo fala da rotina de um jornalista de jogos eletrônicos e sobre os desafios de um disputado mercado
Diego Borges (à direita) faz parte da equipe do Techtudo há 6 anos Foto: Divulgação
Nos últimos anos, a indústria de jogos eletrônicos vem faturando mais do que a cinematográfica e a musical, juntas. Segundo levantamento do banco de investimentos de produtos digitais Digi-Capital, a indústria deve faturar mais de cem bilhões de dólares até 2017. Apesar da crise, o mercado avança em ritmo superior a 10% ao ano. O interesse de empresas jornalísticas nesse filão é crescente, mas o editor-chefe do Techtudo, Diego Borges, observa o interesse do público mudando do texto jornalístico para o entretenimento audiovisual proporcionado pelo Youtube e outros serviços de streaming de vídeo, devido principalmente ao desinteresse das pessoas pela leitura. Ele falou desse e de outros assuntos em entrevista realizada na área de lazer dos escritórios da Globo.com, na Barra da Tijuca.
Diego, você se formou em Sistemas de Informação em 2010, mas acabou se tornando jornalista de jogos. Como foi essa mudança? Em 2008, vim fazer estágio na Globo.com, ainda na área de informática. Fiquei só seis meses e percebi que não me agradava trabalhar nisso. Ao mesmo tempo, sempre gostei de games, mas me interessava mais pela produção do que pelo jogo em si. Por exemplo, fiquei muito ansioso com o Final Fantasy IX. Com o jogo em mãos já não tinha mais tanto interesse, isso no tempo das revistas especializadas. Ainda não tinham tantos blogs e redes sociais como hoje em dia, mas volta e meia ainda encontrava algum lugar para escrever. Em um papo desses conversei com meu chefe sobre isso e ele contou que até já existia um blog de games no Globoesporte.com, mas que não era atualizado.
Já existia algum outro site nessa época? Particularmente lembro só do Final Boss, que era da Globo.com, e do UOL Jogos. Ainda era muito o tempo das revistas. Depois de umas negociações, me tornei colunista de games no Globoesporte.com. Foi um período de transição profissional conturbado. Comecei logo pelo alto, em um blog dentro do maior portal de esportes do Brasil, com milhões de acesso por dia. Tive de me reinventar, né? Me lembro de comprar o Manual de Redação da Folha na banca. Demorava dois dias para subir o texto, preparava, revisava, revisava de novo, eu era muito sistemático para publicar as notícias. Aí, em 2010, com dois anos de blog, já com experiência na área, recebi a proposta para trabalhar no Techtudo, que ainda não tinha sido iniciado.
Você foi apresentador do canal Combate também. Sim. Trabalhei um ano e pouco no canal. Foi um desafio muito grande, por que no Combate Games tínhamos a limitação de falar de jogos de luta. Achar conteúdo semanal para esse programa era complicado.
Haja Street Fighter. Pois é. Street Fighter, Mortal Kombat. Puxava pautas de jogos antigos também. Não tinha trabalhado com TV ou teleprompter até então. Por não ter feito Jornalismo fiquei muito longe dessas coisas que vocês têm na grade, mas foi bem legal.
Ainda existe na área a ideia de que videogame é coisa de criança, ou você acha que isso foi superado? Já está bastante superado. Ainda existe em pessoas mais velhas. É difícil encontrar uma redação que não entenda isso, mas sim, existe. Tem um caso por exemplo no SporTV, quando eu ia participar de um Redação SporTV todo sobre games. Chegou na hora e o pessoal resolveu cancelar por achar que seria um conteúdo de propaganda. Algumas pessoas ainda não entenderam como funciona esse mercado hoje em dia, de que ele é muito mais sobre entretenimento do que qualquer outra coisa.
Você pode falar um pouco da sua função dentro do site? Aqui no Techtudo tenho a função de editor-chefe de games. Todo o conteúdo de games tem meu aval para ser publicado, a gente tem uma rede de cerca de 15 a 20 colaboradores escrevendo de casa, eu tenho uma equipe de 5 pessoas trabalhando comigo aqui. Eu edito alguns textos, faço as análises dos nossos jogos mais complexos e de maior audiência, como FIFA e PES. Nesses jogos maiores eu chamo a responsabilidade para mim mesmo e faço o review. Nesse fim de semana, por exemplo, estou super-enrolado por que estamos negociando para transmitir ao vivo a final do League of Legends (LoL), pela primeira vez.
Prefiro DOTA (jogo concorrente de LoL), mas tudo bem. A ideia é chegar lá também (risos). Nossa primeira transmissão ao vivo foi na E3 (a maior feira de games do mundo) deste ano e agora vamos ter link ao vivo para o evento de LoL. A gente está bem ansioso! Nesta semana, estou agarrado na negociação com a Riot (desenvolvedora de LoL). Falo mais com a Riot do que com minha família e namorada.
Como é decidido o que vai ser publicado no site? Qual é a linha editorial do Techtudo em relação aos jogos? Isso é muito flexível. Nesse período estamos focando muito em Search Engine Optimization (SEO), o sistema de optimização de buscas do Google. 80% do nosso conteúdo é baseado no que o público busca no Google. A gente cria pautas em cima dessas buscas. Ao mesmo tempo, estamos no período de outubro e novembro, os meses-chave do ano, então estamos trabalhando nos lançamentos. Nosso conteúdo depende do que acontece, não temos uma linha editorial escrita na pedra.
Há um crescimento dos jogos independentes, os indie games. As próprias empresas estão dando uma importância cada vez maior para eles, diferente do que acontecia antigamente. Qual é a abordagem do Techtudo em relação a esses jogos, que carecem de visibilidade? A gente sempre dá espaço, a gente só não dá mais por que seria prejudicial para gente. É complicado. Não é legal dizer isso, mas infelizmente, no Brasil, são poucas as pessoas interessadas. A galera do meio gamer é que está interessada, que torce, compartilha e consome só para dar apoio a esses jogos. Mas o público do Techtudo...
Um público de massa... Um público com renda para três jogos por ano. O cara compra o FIFA, que é o garantido, e só daí se pergunta o que vai comprar depois. Sobre os indies, sempre tentamos destacar algo chamativo neles, para atrair o público que desconhece a marca. No caso do Chroma Squad, por exemplo, a gente noticiou como um jogo dos Power Rangers, pela similaridade. A manchete dizia algo como: “Conheça o jogo dos Power Rangers”.
Vocês destacaram o fato do Chroma Squad ser brasileiro? No texto a gente faz questão de frisar que é um produto nacional. Mas se destacar há preconceito, vai ter gente que não vai clicar dizendo “ah, é brasileiro? Jogo bobo.” Qualquer matéria ressaltando gráficos vai dar mais repercussão do que matérias mais interessantes relacionadas aos jogos indies.
Nos EUA há o crescimento de uma abordagem cultural, artística e criativa dos jogos, em sites como Polygon e Giant Bomb, por exemplo. O Brasil, usando como exemplo o próprio Techtudo, ainda é focado na tecnologia, enfatizando aspectos técnicos. É diferente da crítica de cinema que prioriza o impacto da obra, do valor artístico, etc. Vocês pretendem incluir esse ponto de vista de alguma forma nas matérias do Techtudo? Isso vai muito do mercado nacional. O público do Polygon entra no site esperando esse tipo de conteúdo. Temos softwares mostrando que visitantes do nosso site raramente leem análises até o fim. Leem o começo, pulam para a nota, veem os prós e contras. Quando o brasileiro quer uma visão detalhada sobre jogos ele busca o recurso audiovisual através dos youtubers. Em outras palavras, tem gente que consome 20 minutos de vídeo sem pausa e não tem paciência de ficar dois minutos lendo um texto. Se a gente tivesse a abordagem do Polygon ou do próprio Kotaku, que tentou vir para o país e não deu certo, não teríamos sucesso. Quem acessa o Polygon no Brasil é a galera gamer, que não quer uma opinião qualquer. Isso representa menos de 10% do público no país. Se fizéssemos desse jeito seria um tiro no pé.
E no caso da IGN (maior site sobre jogos do mundo), por exemplo, que acabou de vir para o mercado nacional com uma visão mais massificada. O site vai ter sucesso no Brasil? A IGN se dá muito bem em torno da própria marca, que é muito forte. No editorial brasileiro eles tem o Pablo Miyazawa. Não tinha outra pessoa melhor para cuidar da IGN brasileira. Não sei que rumo eles vão tomar, mas não torço para o insucesso deles. Na internet não existe concorrência. A TV tem o horário nobre onde você escolhe um canal. Já na internet, se eu publico uma matéria agora e a IGN publicar a dela, você pode decidir se lê primeiro a nossa ou vice-versa. A gente ganha clique do mesmo jeito.
Em relação aos trabalhos já feitos por você, qual análise, matéria ou cobertura você considera a melhor ou mais interessante? A cobertura da E3 desse ano foi muito bacana. Tivemos números altos de audiência durante o evento. Também fizemos muitas matérias com personalidades. Uma delas foi com o Túlio do Botafogo, meu time. Foi bem legal da parte dele. Ele topou a brincadeira de fazer o gol mil dele no FIFA, isso foi mais legal ainda por ele ser meu ídolo, sabe? O bom do jornalismo é isso. Você se aproxima de pessoas que em outra situação nunca imaginaria conseguir contato. Por mais que você seja profissional, tem aquele lado fã quando você pensa “porra, estou de frente pra esse cara”.
Tem algum jornalista da área que te faz sentir isso? Que você admire? Eu gostava muito do The Jimquisition do Destructoid, escrito pelo Jim Sterling. Os textos dele tinham uma pegada divertida. No Brasil eu gostava do Ricardo Farah, um cara muito profissional.
Aquele metaleiro? Sim, o cabeludo. O Farah foi engraçado. Fui funcionário dele e depois ele virou o meu em um período de dois anos. Os textos dele nunca ficavam chatos.
O jornalismo no Brasil passa por uma crise grave. Demissões em massa, profissionais mal pagos, redações fechando. Como você enxerga o jornalismo de jogos nesse contexto? Se uma pessoa quiser trabalhar nessa área eu recomendaria fazer um canal no Youtube, em vez de um blog, ou algo assim. As pessoas consomem muito mais o conteúdo de vídeos do que o jornalístico. É muito legal ter esse embasamento todo que a faculdade proporciona, mas infelizmente a gente tem que dançar conforme a música. Hoje, ela toca a favor dessa galera. Não adianta forçar a barra, se para os portais grandes está difícil, imagina para os pequenos. Game é um assunto sobre o qual todo mundo quer falar atualmente, todo mundo quer ser youtuber. A pessoa precisa ser diferente, alguns fazem gameplay gritando, outros…
Mas aí acaba virando um conflito entre entretenimento e informação. Sim, verdade. Eu particularmente não gosto desse tipo de conteúdo, mas não julgo se está certo ou não. Por exemplo, aquela youtuber, a Kéfera: ela escreveu um livro. Uma amiga minha trabalha com crítica literária, e disse que o livro dela é horroroso e apesar disso foi o mais vendido da última Bienal. Isso não está errado, o brasileiro prefere consumir assim. Todo mundo critica muito o Big Brother, mas todo mundo assiste!
Então, você não vê crescimento na área? Infelizmente, não.
As publicações e sites brasileiros especializados são quase sempre de São Paulo. A que você atribui isso? Aproximadamente 95% das produtoras estabelecidas no Brasil ficam em São Paulo. Mas têm coisas legais também em Curitiba. O Baixaki Jogos, o TecMundo Games são de lá. Enquanto isso você tem youtubers brasileiros no Canadá, o Zangado é do Mato Grosso, sei lá. O lugar não importa, tem que fazer algo diferenciado para ter destaque.
E como o próprio Techtudo busca esse destaque? O Techtudo fala muito com o público, responde as dúvidas dos caras. Você não vê o UOL Jogos ou o Baixaki fazendo tutoriais por exemplo. Nenhum deles faz isso, esse é o diferencial do Techtudo. A gente pode falar do Assassin’s Creed do ano passado ou do Bloodborne, que saiu no começo do ano. Não através de notícias, mas tutoriais baseados no SEO.
Por que você acha que as pessoas vão entrar no Techtudo para ter acesso a esse tipo de conteúdo, e não no GameFAQs (site de dicas para jogos com um acervo gigantesco), por exemplo? Pela forma que a gente faz. A gente escreve de uma maneira muito mais clara, usamos vídeos e fotos. A gente deixa muito mastigado. Além disso, temos um ranqueamento bem alto no Google, e temos uma marca muito grande, da Globo. No GameFAQs qualquer um pode escrever. Já o Techtudo tem um selo de qualidade, tudo que vai para o ar passa por alguns critérios antes de publicarmos uma matéria.
Qual sua mensagem para quem quer trabalhar com essa mídia? Seja diferencial, além de talentoso. Se for só mais um, ele pode até ter o sonho dele de chegar, trabalhar em redação, mas acaba caindo num limbo. Tem muitos caras bons que terminam trabalhando em assessoria ou empresas de games. O próprio Renato Bueno, o cara escreveu em muitas revistas, foi editor-chefe do Kotaku Brasil. Hoje, o Renato tem um cargo qualquer dentro da Riot. Não sei como está para ele, mas como antigo fã, me sinto frustrado. Vi uma pessoa que escrevia bem, primeiro a colocar jogos no G1, que trouxe o Kotaku para o Brasil, com um cargo qualquer no financeiro da Riot, que não é nem de Relações Públicas ou assessor.
Ele foi otimista em relação ao mercado brasileiro quando ele segurou essa do Kotaku. Por isso nosso maior problema é o consumidor. Eu queria fazer mil e uma coisas que hoje não posso realizar no Techtudo. Se você realmente quer trabalhar em redação, precisa ter um texto bom, algo que chame atenção. E ter conhecimento, desde a época do Atari. Ter uma galera com esse tipo de preparação é bacana. São historiadores, realmente. O grande lance é ter bagagem. A área é muito concorrida, e você precisa ter o diferencial, ser versátil.
Por Felipe Gelani
Por Felipe Gelani
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