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terça-feira, 21 de junho de 2016

Representação das vítimas de estupro na mídia

Por Carolina Lopes

De janeiro a abril de 2016, o Rio de Janeiro teve uma média de 13 estupros por dia. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP), foram registrados 1.543 casos do dia 1º de janeiro ao dia 30 de abril. O estupro é uma forma de dominação e manifestação de poder sobre a vítima. “A cultura do estupro é uma construção que envolve crenças e normas de comportamento, estabelecidas a partir de valores específicos, que acabam banalizando, legitimando e tolerando a violência sexual contra a mulher”, escreveu Ana Freitas.

Muitas questões envolvem a cultura do estupro e o lugar de inferioridade da mulher. Ainda hoje há a categorização em tipos de mulheres: a que serve para casar, a dona de casa, ou aquela que só serve para namorar. A ‘mulher para casar’, por exemplo, tem que “se dar ao respeito”, servir o homem, ser bela, recatada e do lar (como mostrou a Revista Veja, sobre Marcela Temer). As ações da mulher, portanto, a taxam e a definem ser digna de respeito ou não, a encaixam em determinado tipo e determinam ‘para que ela serve’.

Com isso, certas ações viram justificativas para a mulher ser tratada de tal maneira ou até sofrer algum tipo de violência. Usar roupa curta, sair sozinha de noite, sair sozinha com as amigas, beber, ter uma vida sexual livre, tudo isso vira o “também... ta pedindo”. Não, não estamos pedindo. A mulher é dona de seu corpo, suas ações e livre para fazer o que quiser. Nenhum comportamento ou atitude pode virar justificativa para algum tipo de violência.

Outro ponto é a desvalorização e criminalização da própria vítima em casos de estupro. As mulheres que denunciam lidam com o machismo dentro das próprias delegacias e esse tipo de caso não é tratado com a devida importância. A vítima nunca tem culpa e precisa ser a principal ouvida na história. O Manifesto ‘A Proteção Que Queremos’ foi assinado pela ONG Childhood, Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, a aceleradora social Artemis e a ONG Think Olga para defender “um atendimento integrado e qualificado às vítimas de violência sexual”.

Mais um problema é o tratamento do estuprador como monstro. Ana Freitas, ressalta, no mesmo texto já citado acima:

A cultura do estupro estimula a crença de que, se a mulher é estuprada, de alguma maneira a culpa foi dela. Se não é possível encontrar razões dentro dessa lista de condutas para culpá-la, então assume-se que o agressor tem algum tipo de patologia - “um monstro”.

No entanto, a noção de que apenas “monstros”, portadores de uma patologia, sejam capazes de cometer um estupro não explica a imensa prevalência deste crime no mundo. No Brasil, de acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, todos os anos 50 mil pessoas são estupradas.

Em meio a todas essas questões, as vítimas também enfrentam, em muitos casos, a exposição de maneira equivocada nos meios de comunicação, o que as diminui ainda mais. O problema está na abordagem desses casos, em qual ponto de vista irá se concentrar a notícia ou reportagem. Foi publicado um artigo na Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação (EID&A), vinculada ao Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), que discute justamente isso. As autoras Isabela Cristina Barros Cardoso e Viviane Vieira destacam:

“Nessa análise inicial, foi observado um padrão na estrutura dos títulos: poucas vezes o agressor está em foco – a vítima ganha praticamente toda a atenção no texto. Dessa maneira, observa-se uma potencial desmoralização da vítima, que é colocada como centro das atenções e retratada como causadora do próprio ato de violência, seja a partir de seu comportamento, seja dos locais frequentados ou decisões tomadas”

Isso também contribui para a permanência da cultura do estupro e da culpabilização da vítima, já que os meios de comunicação são significativos formadores de opinião. Um dos pontos mais problemáticos é a suavização do ocorrido. Muitas vezes a mídia romantiza ou suaviza o ato, não usando a palavra estupro. A Think Olga lançou o  Minimanual do Jornalismo Humanizado – Parte. I: Violência Contra a Mulher” com regras básicas para evitar equívocos na abordagem noticiosa sobre violência contra a mulher, devido ao tratamento dado às vítimas e a suavização do ocorrido.

Nele encontramos alguns exemplos como a substituição da palavra estupro por ‘sexo’, ‘relação sexual’ e até ‘encontros amorosos’. Porém, a Think Olga frisa que “podem ser encontros, mas não há nada de amoroso em estuprar uma pessoa. São encontros criminosos” e que “estupro não é sexo. Sexo é consensual. “Suavizar” este fato, substituindo estupro por “obrigou a fazer sexo” ou usar o mesmo termo de uma prática consensual, como sexo oral, é diminuir a gravidade do crime”.
Divulgação: Think Olga

O Manual lembra que o estupro é um dos crimes mais subnotificados e uma das razões é a culpa que a vítima (89% são mulheres) carrega pelo ato, “sendo que o único responsável pelo crime é o estuprador”. O artigo da EID&A ‘O discurso de títulos de notícias sobre violência sexual: a mídia on-line e a culpabilização da vítima de estupro’, citado anteriormente, ressalta que “a culpabilização da vítima figura como um agravante – para além da violência sofrida, a mulher é desmoralizada socialmente, o que reitera não só sua posição submissa nas relações sociais como também seu papel como propriedade do homem”.

Essa exposição na mídia, portanto, contribui para o questionamento que já existe em cima da vítima, se foi estupro ou não. Um exemplo é o recente caso de estupro coletivo da jovem de 16 anos em Jacarepaguá, no Rio. No início, quando o caso foi revelado, muitos jornais divulgavam como ‘suposto estupro’.

O Popular – 28/05/2016
Uma matéria do jornal O Globo tem no link “polícia apura suposto estupro”, mas o título atual é diferente, sem a palavra ‘suposto’. Porém, a notícia é do dia 25 de maio e foi atualizada dois dias depois.


O Globo – 25/05/2016

Apesar de inúmeros casos de exposição e tratamento equivocados, há quem faça o correto. O Jornal Extra divulgou uma carta “aos leitores que não viram um estupro no estupro”. O jornal argumenta contra as várias críticas à sua abordagem sobre o caso, que gerou polêmica entre pessoas que não acreditavam ter havido estupro.

As vítimas de violência sexual não são responsáveis pelo estupro cometido contra elas, não devem ser expostas, estigmatizadas e descreditadas por uma mídia que contribui para a permanência da cultura do estupro.

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