Notícias

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Demissões que calaram o assédio

Recentemente, uma repórter do Portal iG sofreu assédio sexual do cantor MC Biel enquanto o entrevistava para saber de seu novo CD. O caso foi repercutiu bastante na mídia, nas redes sociais e o próprio iG denunciou o ocorrido, em matéria da editora Patrícia Moraes.

Cinco dias depois da denúncia, o primeiro pronunciamento de Biel não foi um pedido de desculpas. Nas redes sociais, disse que não conseguia entender como não levaram na brincadeira, “já que a gente tava se tratando de mim, né, cara que perde o amigo mas não perde a piada, e que na entrevista tivemos um clima totalmente descontraído, todo mundo ria, como adolescentes que somos” e ainda que “a felicidade acompanhada do sucesso incomoda”. Apesar de dizer que eram todos adolescentes e que nem homem se considerava ainda para ser machista, no áudio da entrevista Biel disse que era PhD no que fazia, “respeitem os mais velhos”, disse.

Esse áudio foi apresentado pela vítima para ser acrescentado no inquérito instaurado pela Delegacia da Mulher de São Paulo e mostra trechos com diversos comentários do cantor, como “se te pego, te quebro no meio" e “mano, que ramelona essa mina, mas dá um desconto porque ela é gostosinha". Depois de ter se pronunciado nas redes sociais, Biel divulgou um vídeo em sua conta no YouTube pedindo desculpas, mas não colou para muita gente e a página Dirty Pop até fez um vídeo ironizando as desculpas do cantor.

O Portal iG declarou que repudia “qualquer forma de assédio ou agressão à mulher, bem como qualquer tipo de violência ou preconceito contra o ser humano”. O que deixou muita gente sem entender nada e criou revolta nas redes sociais foi a empresa ter demitido a jovem. “Dois dias antes da demissão, nós nos reunimos com a empresa que prometeu uma série de coisas, como apoio e assistência”, declarou a advogada da ex-repórter do iG ao BuzzFeed Brasil. A empresa conseguiu calar e diminuir a jovem, que após sofrer assédio enquanto estava trabalhando, foi demitida.

O iG não parou por aí. Uma semana depois, desligaram também a editora Patrícia Moraes, que assinou a primeira matéria que denunciou o abuso. A empresa argumentou que precisava cortar gastos e reestruturar a equipe. Corte de gastos demitindo apenas duas pessoas e justamente as duas pessoas envolvidas com o caso do MC Biel. No mínimo difícil de entender. Ao site Portal Imprensa, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Paulo Zocchi, afirmou que o Sindicato condenou o assédio e se solidariza com as duas mulheres. “Condenamos do princípio ao fim a atuação da empresa nesse caso. A empresa expôs a estagiária, não a defendeu quando ela sofreu a agressão, puniu a vítima ao demiti-la e agora pune a outra jornalista que estava fazendo o trabalho de divulgar uma informação de interesse público, provavelmente, por interesse do grupo econômico ligado ao agressor”, disse.

Após toda a revolta nas redes sociais com o caso em si e com a postura da empresa, profissionais da área criaram o Jornalistas Contra o Assédio. O coletivo publicou um vídeo com declarações de várias jornalistas sobre abusos que já sofreram. Até 30 de junho, dez dias depois da divulgação, o vídeo já tinha mais de 30mil visualizações no YouTube e aproximadamente 1700 compartilhamentos na página do coletivo no Facebook. Assista abaixo:


O coletivo pretende lutar contra esse tipo de postura e desnaturalizar o assédio no jornalismo, que infelizmente acontece com certa frequência, como mostrou uma pesquisa do Sindicato dos Jornalistas do DF. Em março, mês da mulher, o Sindicato lançou o Coletivo de Mulheres Jornalistas, que “tem o objetivo de discutir questões de gênero e relações de trabalho, debater e lutar por melhor posicionamento da mulher na sociedade e, em específico, no mercado de jornalismo”. A primeira ação do grupo foi o lançamento da pesquisa Desigualdade de Gênero no Jornalismo, que mostra, dentre outros dados, que 78,5% das entrevistadas já sofreu algum tipo de atitude machista vinda de entrevistados.

Um estudo similar, feito a nível mundial pela INSI (The International News Safety Institute) e pelo IWMF (International Women’s Media Foundation) em 2014, revelou que dois terços das entrevistadas já sofreram alguma espécie de intimidação, ameaça ou abuso, que incluíam também abuso de poder e autoridade.

A pesquisa também mostrou que o número de mulheres que denuncia esse tipo de situação não é significativo. O caso da jovem assediada foi um que veio a público, mas no jornalismo, o assédio e o abuso (tanto sexual quanto moral) são comuns. Porém, não podemos deixar que sejam normais. Apesar do jornalismo ter uma quantidade significativa de mulheres no mercado em relação aos homens, são situações que acontecem com frequência na profissão e coletivos e movimentos têm lutado para que elas acabem nas redações e demais ambientes de trabalho.

Compartilhar:

Postar um comentário

 
VOLTAR AO TOPO
Copyright © 2016 Jornal Cenário. Layout por OddThemes || Design por Designed by Mila Porto